“O que de surpreendente fiz aos 21 anos”? Ou a pergunta mais sensata seria “é realmente preciso fazer algo de surpreendente aos 21”? Questões desse tipo me tomam a mente quando vejo um trabalho prodigioso, de jovens que parecem expelir pelos poros uma produção artística ou profissional de excelente qualidade. Não invejo os prodígios, mas que eles me fazem sentir como uma lesma sem imaginação, isso eles conseguem.
Não sei se esse é o problema de consumir culturas em demasia (percebam o plural para mostrar que não faço separações nesse quesito, ok?), saber das últimas tendências, estar bem informado e “antenado” (argh!) com tudo. O fato é que, particularmente, não consigo limitar-me a apenas ver os outros produzirem conhecimento ou inovações de cair o queixo. Também queria fazer parte desta elite juvenil, contribuindo com algo surpreendente para o mundo.
Só que o tempo passa, rugas dizem “olá”, e os olhos não brilham como 10 anos atrás. Então, você lembra de que nem tudo acontece como imaginamos, ou que lampejos de genialidade não caem como a chuva. E há uma infinidade de fatores que não podemos controlar: o lugar onde se cresce, o incentivo das pessoas ao seu redor, a fagulha divina (?) que inspira a bons destinos.
Deus do céu, quando lembro que aos 21, estava dentro de uma indústria ruidosa sujando as mãos de graxa, suando como porco sujo e dilacerando os nervos do punho em esforços repetitivos, ficando por anos nessa situação para ajudar em casa, pagar estudos, comprar uns livros de bolsos baratos na banca, enfim, sobreviver, me perdoo. Eu não tinha obrigação nenhuma em ser genial.
É difícil encarar isso de frente. Olhar finalmente no espelho, admitindo que seu poder criativo não é tão significante para o mundo, mas corajoso o suficiente para aceitar-se uma pessoa comum, de talentos comuns, com anseios comuns.
Orgulho-me de ser versado em bobagens que fazem rir, em saber cutucar corretamente um formigueiro de saúvas, plantar abacateiros, matar pulgas de cachorro com uma lupa em dias de muito sol, ou preparar um prato de cuscuz com leite e achocolatado em pó, talvez meu maior talento, algo que me faz único no universo.
Pode ser pouco para você, mais muito rico para mim.
* As incríveis fotografias surreais, mágicas e outonais que ilustram esse post, é do americano Kyle Thompson. Ele é um artista autodidata, sem nenhum treinamento formal, que começou sua carreira aos 19. Hoje, ele tem apenas 21 anos.
+ http://www.kylethompsonphotography.com/