(Texto baseado num ensaio do filósofo de Andrew Stillman e publicado na revista Adbusters, 2000.)
No silêncio de uma cidade sob Lei Marcial, a galeria pós-captalista está aberta.
Aqui as janelas quebradas de uma loja da Warner Bros, cada estilhaço desaparecido na invisibilidade. Ali, um Mc Donald’s fechado com compensados. Isolado de uma hora para outra e exposto em seu estacionamento vazio, no meio de uma rua, um carro de polícia abandonado, despojado de sua autoridade por duas palavras pichadas em spray: “NÓS VENCEMOS”. Em todos os lugares existem bandeiras decoradas com novos símbolos, pilhas de jornais transformadas em barricadas – dezenas de atos de destruição, cada um cheio de importância estética e social. Atos de arte. Atos que chamaríamos normalmente de “VANDALISMO”.
Como foi dito nos noticiários de TV, o vandalismo ditou as regras no dia 30 de novembro de 1999, quando dezenas de milhares de manifestantes fecharam a Organização Mundial de Comércio e criaram um estado de emergência na periferia de Seatle, EUA.
Vandalismo é uma violação intencional, a desfiguração de algo considerado valioso pelos outros. Mas sabemos, também, que pode ser uma forma de expressão. Vandalismo é também jovens amantes cravando seus nomes nos troncos das árvores, um moleque deixando seu nome escrito na parede de uma um hotel quatro estrelas, anarquistas chutando as janelas da nikelândia.
O que poderia ser uma expressão mais completa do desesperado cinismo da decadência pós-moderna que essa chicotada catártica, primal? Será que alguma forma de arte de nossa era pode oferecer qualquer sombra de esperança de escape sem confrontar-se diretamente com a propriedade, o valor real ao redor do qual cada um de nós é levado a construir sua noção de ser?
Vandalismo é um tipo de parasitismo nascido na essência da civilização ocidental.em nossa cultura atual estamos triturados, manipulados pela tecnologia e por interesses comerciais. Marketeiros de plantão colocam sentido no vestir de roupas, carros, móveis, até mesmo na comida nós escolhemos nossos significados através dos produtos, simultaneamente criando e erradicando nossa noção de nós mesmos. Somos projetos comerciais. Somos hospedeiros e a cultura da comodidade é o nosso parasita. Somos objetos vandalisados-tortos, deformados, cobertos de marcas que não podemos honestamente dizer que escolhemos por vontade própria. Sugados da comunidade e humanidade, somos levados a acreditar que dependemos do nosso parasita para nossa identidade.
O que conhecemos como “VANDALISMO” é na verdade a rejeição da dependência do consumo. O vândalo mina o sentido comercial. A cultura do consumo cria um lodo sobre nós e é vulnerável em suas próprias raízes rasas. Ela teme toda reflexão. Cidadãos vivendo dentro dela estão em estado permanente de evasão pessoal, evitando a contemplação pelo medo de confrontar a realidade da completa falta de sentido em que vivemos ou, pior, a desvantagem competitiva e exclusão social.
Vandalismo é uma expressão dessa psicologia de fuga e a compreensão de que a existência se tornou uma atividade criminosa. Vandalismo é arte quando a arte não pode mais resgatar o sentido do absurdo esmagador das condições materiais atuais. Numa sociedade que valoriza o mito da total escolha, a escolha mais crucial se tornou criminosa: a habilidade de criar novos sentidos. O ponto onde o mito e a realidade se encontram é na intersecção política e arte, na ameaça do vândalo , no agitador cultural, no anarquista. E foi nessa intersecção que as barricadas se levantaram em 30 de novembro de 1999.