Já se sabe: leitura é um prazer solitário. Um momento entre você, as páginas, as letras e tudo o que se passa dentro da mente. E leitura não é só passar os olhos por infinitos grupos de caracteres. Não é só ler frases e frases, empanturrando-se de letras como se o cérebro fosse um estômago, crescendo em perspicácia.
Leitura é também ver. Sentir no cotidiano cada minúscula coisinha despercebida pelo senso comum. Ler os movimentos de tudo o que tem ao redor ou mesmo àquilo sem vida mas movimentado pelo o que a possui. E claro, também pode-se ler imagens.
De quadros em museus até pichações nas ruas, toda imagem pode passar pela degustação dos olhos, dando-nos novas idéias ou apenas se acomodando no fundo do inconsciente para futuras sinapses criativas.
Em suma e sem delongas, sou da turma que acredita na “literariedade” das citadas imagens e principalmente, das histórias em quadrinhos. Fábio Moon, um dos mais aclamados quadrinistas do Brasil, pode explicar melhor:
Em suma e sem delongas, sou da turma que acredita na “literariedade” das citadas imagens e principalmente, das histórias em quadrinhos. Fábio Moon, um dos mais aclamados quadrinistas do Brasil, pode explicar melhor:
Pois bem, por isso defendo as HQ´s com unhas e dentes, mantendo um preconceito explicito e exacerbado por quem acha que é fissura nerd ou babaquice de adultos mal crescidos.
Tenho cá na estante, meus calhamaços de Graphic Novels lado a lado com os grandes clássicos da literatura, sem qualquer distinção. E orgulho-me de ver esses dois universos límpidos e pueris que sempre me levam à uma viagens fantásticas pelos caminhos do pensamento. Assim como outros títulos, do mesmo modo foi com Gourmet.
Só que este em especial, teve algo que pula das páginas. Quem quiser degustar a obra, tem que ter um interesse por outro consumo solitário: a culinária. Aqui tem que saber ler pelas papilas degustativas. Bem estranho, admito, mas verdade. E pessoalmente, quase senti os cheiros de cada refeição.
A obra é um sonho gastronômico sem começo e fim, com um personagem de nome oculto que se dá por suas atitudes discretas e pensamentos avaliativos de pessoas, comidas e restaurantes. É ainda um breve guia para conhecer costumes particulares e peculiaridades da cultura japonesa que só alguém que lá sempre viveu poderia relatar.
Não é uma grande aventura, não é um amontoado de sequências explosivas, não é nada de extraordinário. É apenas obra de arte em quadrinhos que castiga o estomago através da descrição minuciosa dos alimentos apreciados pelo personagem. E voltando ao princípio, nele há solidão. Há resquícios de um relacionamento falido. E claro, as lembranças nostálgicas das pessoas que um dia amou associado aos lugares.
Um banco de praça, uma escada, um elevador, um parque, uma praia, uma calçada, uma avenida. Os objetos urbanos que são parte de sua trajetória quando associa acontecimentos à ele. Solitária também são as ruas, aqui exibidas como um fluxo de pessoas que passam, como um rio de almas cada uma com seu enredo de vida.
Em Gourmet, a grande companhia é o paladar e o grande barato é não imaginar cenas, já que elas se dão em ilustrações, mas sim imaginar cheiros e gostos exóticos de 18 pratos que muitos de nós talvez nunca chegaremos a experimentar.