Na província, com Capote

quarta-feira, outubro 11, 2006



Na província, o tempo passa doendo na carne. Aqui aprendo a cultivar um ódio por ela, por sua gente, por seu modo infeliz e mal educado de ser. Pessoas que cultivam mediocridade em seus passinhos tontos.

Um pensamento mau e mesquinho, mas é meu lado diabólico falando. Mas não estou sozinho. Lendo Capote, percebo porque me identifico tanto com sua prosa, me vendo em suas frases, em seus pensamentos sobre o mundo. Uma das poucas cabeças em que gostaria de estar no lugar. 

"Até a pessoa atingir uma certa idade, o interior é maçante; de todo modo, não gosto da natureza em geral, e sim em particulares. De todo modo, a não ser que o sujeito esteja apaixonado, satisfeito, movido pela ambição, desprovido de curiosidade ou reconciliado (o que parece servir como sinônimo moderno de felicidade), a cidade é que nem uma máquina monumental incansável, projetada para a perda de tempo e das ilusões."

Só em estar fora, vez ou outra, dessa minha província, longe dela, no centro da balburdia de todos os movimentos que se misturam ( sejam carros, pessoas, tudo o que pulsa aqui), é um alivio ao coração. 

Capote continua:

"Após algum tempo, a busca e a exploração podem se tornar sinistramente apressadas, a transpirar ansiedade, numa corrida de obstáculos de Benzedrine e Nembutal. Onde está o que você procura? E, por falar nisso, o que você está procurando?"

Perco-me olhando pela janela. Perco-me nesse horizonte que vejo ao longe. As luzes ao longe... Dão-me esperança e tristeza. Mais tristezas, na verdade.


Eu tento me esquecer dos dias melhores. Ser feliz com o que tenho. Mas eles são mais fortes. Tudo que é ruim é bem mais forte. Alguns bons e simples momentos, ainda guardo comigo. Momentos que, separados por anos e distâncias geométricas, Capote também sentiu. E mais uma vez, escreveu o que eu queria ter escrito:

"Nas profundezas, o metrô ferve; na superfície, o néon retalha a noite, e mesmo assim ouço um galo cantar".

Eu também ouvi um galo cantar, Capote. Bem no meio do concreto branco, no centro da cidade de Salvador. Juro que ouvi. 



  
deniac_capote



Os cães ladram - Pessoas e lugares privados


Coleção: L&PM POCKET
Autor: CAPOTE, TRUMAN
Tradutor: NOGUEIRA, CELSO
Editora: L&PM EDITORES