Morro de amores.

domingo, fevereiro 21, 2010

Quando o Word explode com seu branco magnífico, refletindo nas lentes dos meus óculos toda a sua alvura leitosa, acende dentro do coração de pseudo-escritor que nunca viu suas deleitáveis frases serem publicadas em livro, uma deliciosa vontade de colocar tudo o que viveu e aprendeu em sua vida monótona no quesito físico, mas que na cabeça, dentro do corre-corre de suas terminações nervosas com bilhões de neurônios comunicando-se, é cheia de aventuras e loucuras eternas.

E é com a epiderme em ardor que escrevo o que vi. Se bem que, o que vi, muitos já viram, mesmo não estando lá. Como o Corcovado no Rio de Janeiro, como a Avenida Paulista em São Paulo. Imagens que se instalam em nossas memórias ainda bebês. No fundo, tudo o que presenciei e senti na pele que queimou suavemente, é desnecessária uma descrição profunda. Assim como é desnecessário discorrer sobre algo que só pode ser compreendido quando suas pupilas estão presentes no lugar.

Mas esse ímpeto que move meus dedos e que lhes dão esperança de que podem confeccionar boas frases, e com elas, contar boas historias vistas pelos olhos, é o que me move. Esses mesmos olhos garantem contar detalhes ínfimos aos cegos dedos ávidos por escrever e interpretar o que o olho percebe.

Enfim.

Confesso que o medo do inesperado é o melhor ingrediente para trilhar o que se decide. Planejar uma viajem é apenas ter 5% de controle do que a vida em seu caótico desenrolar te proporciona. Mas é esse vento sem controle, o melhor para içar as velas e se deixar navegar pelas intranqüilas águas verdes que farão parte de sua vida em alguns poucos dias.

Por isso, admito que senti um temor.  O primeiro, foi um oceano inconstante: as pessoas. Essa turba sem rédeas, que nesse período do ano, o carnaval, está livre por alguns dias, enlouquecendo para celebrar sua libertação temporária da rotina cruel. Uma turba que acotovela-se nas barcas, essas, verdadeiras naves para seus paraísos particulares e distantes. Aglomeram-se para beberem, comerem e sonharem juntos seus mais íntimos desejos, tudo enquanto o tempo da travessia se dilui.

O segundo temor que me acometeu, agora sem metáforas, foi o mar. Ser tragado pelas suas profundezas é um pavor que está no poço sem luz do subconsciente. Ao mesmo tempo que assusta, ele hipnotiza, chama para um mergulho sem volta. Um outro universo visceralmente vivo, tão próximo dos pés, mas ao mesmo tempo, longínquo do que somos. A impossibilidade do não respirar, de morrer sob bilhões de litros de água salgada com toda a sua vida pulsando junto ao coração. Só assim para conhecer seu âmago de verdade!

Mas isso são só quimeras da mente, que se diluem com a realidade e as necessidades vitais do viver. Ainda era preciso enfrentar um terceiro e ultimo temor: as alturas. Principalmente aquelas em que as pedras tocam o ar. Os montes, os picos, as grandes elevações de terra que tentam beijar as nuvens, mas que só conseguem as cócegas dos ventos ébrios, faceiros, alucinados, apaixonados por despentear os cabelos sedosos das garotas.

 E todo pico, tem um precipício. E um precipício é um outro convite sinistro para se chocar, literalmente, contra a natureza. É a certeza que somos tão pequenos e frágeis quanto a poeira fina das praias. É o momento em que a terra te mostra quem é que manda. É morrer pelas mãos da gravidade te jogando contra pedras milenares, tão velhas quanto o primeiro assassinato. Mas por favor, não entenda mal, é a beleza matadora da natureza que estou falando. Considere um elogio exagerado. E exemplos exagerados são sempre adequados ao se referir a tudo que o planeta produz.

De cima, um mar calmo e grandioso, como um gato felpudo, ronrona através de marolas cristalinas, que distorcem os raios do sol e transformam seu reflexo em sinuosos filetes de pura luz. Luz hipnótica, curvilíneas, como as mulheres que dançam sem escrúpulos, livres de si mesmas e dos olhares de reprovação.

Mas todo temor cessa quando a ele nos acostumamos. Transforma-se numa pequena rotina necessária para nos manter vivos. Dizem até que o medo é a única sensação que nos faz sentir vivos de verdade. Acho que há outras. Mas não vem ao caso. Depois, vem só o sossego. Só a vontade de fechar os olhos e sentir nos pulmões toda a historia para onde você planejou ir. Respira fundo e sente a vida calma. Respira fundo e banha os pulmões com a graciosidade do, enfim, o paraíso!

 

E como todo paraíso, devemos pisar devagar e descalço. Ter a percepção que os segundos estão ligados por uma eternidade estranha. Como se houvesse um intervalo temporal de milhares de anos.  Sentir através dos pés, a quentura do sol que arde no espaço. Saber que essa luz atravessa o universo para nos esquentar, todos os dias. Artifícios para registrar na mente que a vida é curta demais e nunca saberemos para onde vamos quando o ultimo fôlego sair dentro de nós.  Percebi que há por aquelas bandas, uma anarquia de linguagens, de tipos de peles, de cores dos olhos, de tamanhos de roupas de banho. Há uma vontade incontrolável de molhar-se na transparência da tranqüilidade aquática. Há uma doce canção que não se escuta, tocada através do vento, das espumas salgadas, dos pássaros cruzando o céu.  Por falar em céu, lá se encontra um outro à parte. O resto do mundo não fabrica nuvens simbólicas como aquelas. O resto do mundo não sonha nuvens como aquelas. Somente lá meus olhos cheios de ron e refrigerante de noz de cola, puderam acompanhar as pinturas mais surpreendentes que a mão invisível do Deus de Jacó, um dia já pintaram. Nuvens brancas, gordas, pesadas, como mulheres grandes e cheias de curvas sensuais. As nuvens de lá, eram as “mulheres de má vida, e peitos enormes – as Vênus para caxeiros”, que um dia Manuel Bandeira viu em sonhos.

OgAAAAcuHWWx1UEFBmLdyVTGm8siz3-Gh3fTQm8oI5mXu5ZJ06iI_EicX8kSZcOxxqFAyQaC_Dmeg_234kF3DfqZX0gAm1T1UEJxIo2WmkETkUkz3YRz4dohlFd4 O melhor é caminhar pelas manhãs, entre as grandes arvores. Ouvir os sussurros de folhas que se tocam. Ou melhor seria deitar tranqüilamente na areia, seja lá que horas da madrugada for, e olhar a variedades dos pontos luminosos do universo? Ou confiar no sentimento de segurança incrível, se deixando levar pelo entorpecimento do vinho, da cerveja ou de vodca? Não entendo e não chego a nenhuma grande conclusão.

 Nesses dias, percebi que meu maior erro, meu maior pecado, foi me esquecer que era apenas temporário naquele lugar. Esqueci que estava de passagem pela vida. Embriagado de luz, de beleza e amor, achou que estava acima do tempo! Achei que era eterno!  O que me restou foi uma memória de cinco dias de vida como ela deveria ser. Uma vida como, quem sabe, os míticos Adão e Eva um dia desfrutaram.

 

Volto para a sujeira da minha cidade. Retorno à minha pocilga pessoal. Empunho a minha cruz dentro de um ônibus lotado. Tatuo no braço a maldição de andar 30 minutos sob um sol escaldante que não é aquele. E pelas ruas mal cheirosas de minha cidade, olho o céu.

E entre meus olhos e a imensidão, estão os fios de alta tensão. Neles, um casal de pardais trepam furiosamente. Não há vergonha. Não há pecado. Fazem o que é preciso fazer. A natureza clama, mesmo aqui.

Sorrio e aprendo, finalmente, que puro, não é aquilo que nunca foi tocado. Puro, é tudo aquilo que existe sem detrimento de alguma outra coisa ou pessoa. Puro, é ser o que se deseja, sem ofender a nada.  Por cinco eternos dias, pratiquei a pureza que todos os santos nunca experimentaram. 

P.S: As fotos são de Jessica Rampazo.