Vi tons de laranja no horizonte sujo de Salvador. Vi
prédios novos nascendo para o campo azul do céu. Vi carros nervosos escoando
pelas negras avenidas de asfalto. Senti a poluição nos olhos, no olfato e na
epiderme. O calor de um grande centro urbano no quase final do dia, de um quase
verão escaldante.
O concreto sob milhares de pés vindos de todos os lugares
e indo para todos os lugares. A doença humana em seus múltiplos afazeres
diários. Praga destrutiva do ambiente e de si mesmo. Raça que se reconhece no
espelho todas as manhãs. Consumidora de seu próprio lixo. Amante da vida
inteligente, ágil e confortavelmente moderna. Construtora de sua própria
destruição.
Eu vi a noite cair sobre você. Vi suas luzes artificiais
nascerem vagarosamente em postes de cimento e metal. Os ninhos de fios de
cobre. Os pássaros de aço. Ouvi os sussurros tímidos entre antenas de celular.
Segredos e imagens suspensas ao redor de nossas cabeças. Sonhos receptados em
televisão de plasma. Sonhos receptados em minha antena de carne, que descansa
profundamente nesse papelão imundo.