Drops do dia: o sono, as ruas e os ônibus

quarta-feira, agosto 31, 2011

bud-gedoo-deniac

 

Sabe, é difícil acordar às 04:30 am com o céu ainda às escuras, a boca seca por uma apneia do sono mal curada e uma letargia mortífera que pesa as pálpebras com uma bigorna invisível. Mas é só lembrar do tempo que te trai a todo instante e das pequenas/muitas responsabilidades de uma vida adulta, que uma catapulta medieval mental projeta o corpo e seu vício por camas a uma distância que vai além do horizonte.

Em minutos, ganho as ruas iluminadas por postes cinzas e soturnos, ganho os céus cor de chumbo que hesita em trazer o sol ao seu trabalho habitual e ganho o asfalto molhado de orvalho de uma madrugada que passou rápida como uma infância repleta de alegrias e sabores.

 

***

Andando, me auto-induzo a um estado de hipnose, tentando enganar meu cérebro, mentindo para ele que essa é uma situação satisfatória, feliz e típica daqueles que vencem a vida com bravura e um sorriso de esperteza no rosto.

Dou-lhe um placebo imaginário para os confins desconhecidos do seu subconsciente, forçando-o a aceitar uma vida feliz via a virtualidade dos bons pensamentos positivos.

 

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Durante o dia, cruzarei olhares com desconhecidos e conhecidos. Travarei relações determinadas não pelo meu gosto, mas pelas obrigações. Estas, determinadas outrora por minhas próprias escolhas, que só saberei que foram acertadas ou não quando perceber o final do processo.

Essas escolhas são nossos capatazes, mandando e desmandando nas nossas vidas. São os reais chefes, ditadores e senhores de punho forte. São o que uma grande maioria concebe ao mágico, chamando-o de destino.

 

***

Entro no ônibus, lugar que passei segundos, minutos, horas, dias e anos viajando dentro de sua alma barulhenta e feita de lata. Lá, tomei decisões importantes, tive sonhos cheios de candura e consumi grande parte da minha pequena biblioteca de pocket books.

 

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Uma boa lembrança: na janela da última cadeira de um ônibus vazio, li a última frase de Neuromancer, de William Gibson. Ela me fez parir uma límpida lágrima solitária que nasceu para morrer no segundo seguinte neste mundo sujo e desalmado. Mas apesar da frivolidade do momento, percebi que ela era pura o suficiente para refletir as luzes da cidade. Por instantes, brilhou no meu rosto a promessa de que, apesar de tudo, a ternura ainda se faz necessária: ela é a semente de uma árvore grandiosa que só cresce quando a gente acredita.

 

 

Ilustração: "Bud", de Gedoo, artísta gráfico chinês.

4 comentários:

Claudia Magnólia disse...

Porra! Isso é bonito.

Deise Luz disse...

"...mentindo para ele que essa é uma situação satisfatória, feliz e típica daqueles que vencem a vida com bravura e um sorriso de esperteza no rosto."


tive que repetir coisa parecida pra mim mesma umas mil vezes nos últimos dias. preguiça e tristeza de pensar que esse placebo vai continuar sendo necessário mais tantas e tantas vezes.

Deniac disse...

Tanks, Claudia Magnólia! Nada como as dificuldades da vida para dar aquele Up nas inspirações!!!!

Deniac disse...

Então Dona Deise, é uma mentirinha necessária!