Na província, o tempo passa doendo na carne. Aqui aprendo a cultivar um ódio por ela, por sua gente, por seu modo infeliz e mal educado de ser. Pessoas que cultivam mediocridade em seus passinhos tontos.
Um pensamento mau e mesquinho, mas é meu lado diabólico falando. Mas não estou sozinho. Lendo Capote, percebo porque me identifico tanto com sua prosa, me vendo em suas frases, em seus pensamentos sobre o mundo. Uma das poucas cabeças em que gostaria de estar no lugar.
"Até a pessoa atingir uma certa idade, o interior é maçante; de todo modo, não gosto da natureza em geral, e sim em particulares. De todo modo, a não ser que o sujeito esteja apaixonado, satisfeito, movido pela ambição, desprovido de curiosidade ou reconciliado (o que parece servir como sinônimo moderno de felicidade), a cidade é que nem uma máquina monumental incansável, projetada para a perda de tempo e das ilusões."
Só em estar fora, vez ou outra, dessa minha província, longe dela, no centro da balburdia de todos os movimentos que se misturam ( sejam carros, pessoas, tudo o que pulsa aqui), é um alivio ao coração.
Capote continua:
"Após algum tempo, a busca e a exploração podem se tornar sinistramente apressadas, a transpirar ansiedade, numa corrida de obstáculos de Benzedrine e Nembutal. Onde está o que você procura? E, por falar nisso, o que você está procurando?"
Perco-me olhando pela janela. Perco-me nesse horizonte que vejo ao longe. As luzes ao longe... Dão-me esperança e tristeza. Mais tristezas, na verdade.
Eu tento me esquecer dos dias melhores. Ser feliz com o que tenho. Mas eles são mais fortes. Tudo que é ruim é bem mais forte. Alguns bons e simples momentos, ainda guardo comigo. Momentos que, separados por anos e distâncias geométricas, Capote também sentiu. E mais uma vez, escreveu o que eu queria ter escrito:
"Nas profundezas, o metrô ferve; na superfície, o néon retalha a noite, e mesmo assim ouço um galo cantar".
Eu também ouvi um galo cantar, Capote. Bem no meio do concreto branco, no centro da cidade de Salvador. Juro que ouvi.
Os cães ladram - Pessoas e lugares privados
Autor: CAPOTE, TRUMAN
Tradutor: NOGUEIRA, CELSO
Editora: L&PM EDITORES
Um comentário:
que munitinho....
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