Todos os dias, durante 12 anos, eu te dei tantos sentimentos bons que você passou a acreditar realmente que era uma humana. Deixei que isso acontecesse para te ver crescer feliz e cheia de energia, rasgando caixas de papelão com a unha, correndo pela casa ou indo me acordar na ‘horinha’ certa de ir trabalhar.
Com o passar do tempo, ludibriado por seus grandes olhos azuis, passei a acreditar que, de fato, você era realmente uma humana.
Mas hoje, particularmente hoje, talvez você percebeu que não era como eu, que não tinha mil planos para o futuro, que não estava se preparando para mudar mais uma vez. Estava satisfeita com sua rotina de caixa-sofá-cama, achando que era pouco, que não significava muito na incrível roda da vida.
Você achou que eu estava te esquecendo, deixando-a para trás?
Eu nunca faria isso. Eu nunca ia abandonar seus grandes olhos azuis vesgos, o lugar onde habitava o seu “Sorriso de Karenin”. O lugar onde eu via o meu sorriso torto refletido quando te pegava no colo e encostava o meu nariz seco ao seu nariz frio e úmido.
Você ficou triste, você ficou magra, você ficou velha, desistiu de tudo. Mas quero que saiba, minha elegante parceira de momentos solitários, que nunca esteve só.
Sou eternamente grato por ter me feito tão alegre em troca de uma vasilhinha de água e uma punhado de ração, nobreza que dificilmente um humano se submeteria.
Parafraseando Milan Kundera em seu A Insustentável Leveza do Ser: este é o momento maior da minha loucura. Meu divórcio com a humanidade que começa no instante em que choro sobre o corpo de uma gata.
Sua humanidade é notória, Aisha. E isso dói...